STJ acertou ao sacramentar inaplicabilidade do CDC a fundos de pensão
Por Lara Corrêa Sabino Bresciani e Maurício Torres
As súmulas surgiram no ordenamento jurídico pátrio no ano de 1963, fruto da iniciativa do Ministro Victor Leal Nunes, do Supremo Tribunal Federal, que pretendia com elas sanar a dificuldade da Corte em identificar as matérias pacificadas e que, por esta razão, não convinham mais ser discutidas, salvo se sobreviessem motivos relevantes.
Apesar de sua origem ter se dado no Supremo Tribunal Federal, não tardou para que o Superior Tribunal de Justiça também organizasse, por meio de Súmulas, a sua jurisprudência reiterada, podendo-se dizer que hoje as súmulas são editadas, como regra, pelos Tribunais Superiores, e têm como função orientar os demais órgãos jurisdicionais.
Com esse objetivo, há mais de dez anos (dezembro de 2005), havia sido editado o enunciado de Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.
O referido Enunciado surgiu logo após a edição do Enunciado de Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, que previa a aplicação do Código Defesa do Consumidor – CDC para as instituições financeiras. Como, à época, existia certa incompreensão acerca das características próprias das entidades fechadas de previdência complementar, que as diferenciava tanto das instituições financeiras propriamente ditas, como das entidades abertas de previdência complementar, acabou por ser consagrado o entendimento inapropriado de que o Código de Defesa do Consumidor deveria ser aplicado, indistintamente, para as entidades abertas e fechadas de previdência complementar.
É inegável que as súmulas visam conferir coerência, certeza e previsibilidade ao Direito, corolários da segurança jurídica, tendo em vista que são mecanismos que têm como função precípua garantir a uniformização das decisões judiciais para casos idênticos.
Contudo, na hipótese de haver um equívoco localizado na formulação da súmula, mais precisamente na inobservância de certos critérios em sua elaboração, mostra-se necessário suplantá-la, ainda que tal mudança seja difícil.
Foi exatamente isso que ocorreu em relação ao Enunciado de Súmula 321. Surgido em um contexto histórico de proteção do cidadão contra os frequentes “abusos do poder econômico”, em que tanto a Segunda Seção do STJ, como a Corte Especial, vinham editando várias súmulas sobre operações bancárias e instituições financeiras, o aludido Enunciado 321 não diferenciou as entidades abertas de previdência complementar das entidades fechadas para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, assim, incorreu em notório equívoco.
Ao aplicar indistintamente o Código de Defesa do Consumidor a todas as entidades de previdência complementar (abertas e fechadas), o referido enunciado contrariou diretamente o que dispõe a Lei Complementar nº 109 de 2001, bem como o próprio texto da Lei 8.078/1990 (CDC), tendo em vista que as entidades fechadas de previdência complementar não se enquadram no conceito de fornecedoras, os seus participantes não são consumidores e as contribuições que esses últimos aportam aos planos de benefícios, juntamente com os respectivos patrocinadores, não se enquadram no conceito de preço ou remuneração.
Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da 2ª Seção, em sua nova composição (diferente da que editou o Enunciado de Súmula 321), tem realizado profundas discussões acerca da previdência complementar fechada brasileira, notadamente desde o final do ano de 2011, sobre os princípios e regras que lhe são próprios – art. 202 da CF e Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001. (REsp 1.023.053/RS, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Dje de 16.12.2011)
E foi assim que, em agosto de 2015, ao concluir pela existência de “diferenças sensíveis e marcantes entre as entidades de previdência aberta e fechada”, aquela Corte superou o entendimento consagrado na Súmula 321 para estabelecer que as regras do Código Consumerista “não se aplicam às relações de direito civil envolvendo participantes e/ou assistidos de planos de benefícios e entidades de previdência complementar fechadas.” (REsp 1.536.786/MG, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dje de 20.10.2015)
Após reiteradas decisões da Corte no mesmo sentido do REsp 1.536.786/MG, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente (29.02.2016), cancelou o Enunciado de Súmula 321 e editou o Enunciado de Súmula 563, segundo o qual: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas’.
Com tal medida, a Corte de Justiça prestigiou a integridade do direito e encerrou uma longa discussão acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para as entidades fechadas de previdência complementar, garantindo-lhes a segurança jurídica de que necessitam para se desenvolver e continuar pagando benefícios previdenciários a milhares de brasileiros.
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Lara Corrêa Sabino Bresciani é sócia da Tôrres e Corrêa Advocacia.
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Maurício Tôrres é sócio da Tôrres e Corrêa Advocacia.
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* Fonte na íntegra: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stj-acertou-ao-sacramentar-inaplicabilidade-cdc-fundos-de-pensao-01042016